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O que deu certo e o que faltou no especial O Fino da Bossa


Pedro Mariano e Luciana Mello
A TV Record apresentou na noite do último dia 12 de dezembro o especial O Fino da Bossa, uma homenagem ao lendário programa liderado pela cantora Elis Regina entre os anos de 1965 e 1967. A iniciativa fez parte das comemorações dos 65 anos da emissora paulistana, comandada, até o final dos anos 1990, pela família Machado de Carvalho. 
Com cenário luxuoso que trazia elementos de alta tecnologia, com uma fotografia muito bem cuidada, e com uma banda competente, dirigida por Otávio de Moraes, o especial O fino da bossa foi uma grande surpresa da emissora que, atualmente, investe em programas de características mais populares e prioriza o noticiário policial. O programa merece, inclusive, uma reprise, em um horário mais cedo (ele foi exibido às 23h15).

À frente da homenagem, Pedro Mariano, filho de Elis, e Luciana Mello, filha de Jair Rodrigues. Coube aos dois as honras de receber os convidados e, em grande parte dos números, dividir os vocais com eles. Foram chamados nomes da “velha geração”, como Elza Soares e Gilberto Gil, e da nova geração, entre eles, as cantoras Iza e Kell Smith.

O que deu bossa

Jair e Elis no programa O Fino da Bossa
Seguros no palco e no que fazem, Pedro Mariano e Luciana Mello se saíram muito bem nos números musicais em que estiveram presentes. Coube à Luciana a pedreira de cantar clássicos da bossa nova, como Wave e Garota de Ipanema, ao lado de Paula Fernandes, que, de fato não nasceu para o balanço do ritmo que conquistou o mundo na primeira metade dos anos 1960.

Pedro se juntou à Fernanda Takai e a Marcos Valle para um medley de clássicos do movimento, entre eles, Samba de verão, O barquinho, Vivo Sonhando e Tarde em Itapuã. Um dos pontos altos do programa.

Max de Castro, Simoninha a Iza subiram ao palco para uma merecida homenagem ao legado de Wilson Simonal, nome importante da época do programa e na trajetória de Elis. O balanço foi bom, apesar de que Marcos Valle também merecia ter sido chamado para se juntar a eles – uma das canções lembrada foi Mustang Cor de Sangue, composição de Valle.

Simoninha também fez dupla com a cantora Kell Smith (do hit Era uma vez) na canção Você (Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal) e deu um banho de swing brasileiro em Kell.

Alcione foi chamada para relembrar sucessos de Jair e desfilou seu vozeirão em músicas como Orgulho de um sambista e Tristeza. A primeira música foi uma das “licenças musicais” praticadas pelo programa, já que foi lançada por Jair em 1973, anos depois do término do Fino.

De filhos para pai, Jairzinho e Luciana Mello homenagearam Jair Rodrigues cantando Disparada, sucesso do festival de música brasileira de 1966. Luciana não conteve a emoção.

Pedro reverenciou a mãe em um dueto virtual, no qual a voz dele se juntou a de Elis na canção Casa no campo – em mais uma licença, já que a música foi gravada pela cantora em 1972. O número, que foi lançado em um single no começo de 2018, está disponível nas plataformas digitais.

O histórico pot-pourri feito por Elis e Jair por bossas e sambas de morro em 1965 foi lembrando por Elza Soares, Diogo Nogueira e Luciana Mello. Deu (muito) samba.

Reservada para o final do programa, a participação de Gil foi de grande importância. Foi no palco do Fino que ele foi lançado ao grande público por Elis com a música Eu vim da Bahia, número que ele repetiu no especial. Seu depoimento sobre os tempos do programa, sobre as expectativas dele, Elis, Jair, Caetano e tantos outros nomes que despontavam naquela época de grande efervescência musical deu todo o sentido à homenagem. Gil também cantou Domingo no parque, música apresentada por ele no festival de 1967, nascida, segundo Gil, na noite que a última edição de O fino da bossa foi ao ar. Era o fechamento de um ciclo da música brasileira (e início de outro).

No fim, todos os convidados se juntaram para cantar Upa, neguinho, um dos maiores sucessos da carreira de Elis.

Em tempo: a curadoria dos convidados foi feita por Zé Ricardo, diretor artístico do palco Sunset do Rock in Rio. Aliás, que tal um fim de tarde com O fino da bossa no festival do próximo ano?

O que não deu bossa

Jair, Araci de Almeida e Elis na época do O fino da Bossa
O especial O fino da bossa trouxe, entre um número musical e outro, depoimentos de pessoas e artistas que estiveram presentes ao programa original. Foram exibidas falas de Nilton Travesso, Caçulinha (por que ele não foi chamado para tocar em um dos números?), Zuza Homem de Mello e Genival Santos (técnicos de som da TV Record à época). Os depoimentos foram cruciais para remontar o que aconteceu no palco do Fino, já que nem a Record e nem ninguém tem qualquer imagem do Fino.

Faltou ao programa justamente aproveitar as deixas que esses entrevistados – aqueles que foram testemunhas do que aconteciam no palco – davam em seus depoimentos. Zuza, por exemplo, ressaltou que a plateia que ia às gravações do Fino tinha oportunidade de ouvir (e ver) pela primeira vez músicas que haviam nascido ali, nos ensaios do programa. O caso, por exemplo, de Canto de Ossanha, o afro samba de Baden Powell e Vinicius de Moraes. Baden, inclusive, foi de grande importância naquele momento para a carreira de Elis. O compositor não foi citado ou cantado.

Outra fala de Zuza que foi mal aproveitada foi a que ele opinou que o maior duo feminino do programa foi o protagonizado por Elis e Elza Soares (em uma caixa com três CDs que lançou em 1994, com registros feitos ao vivo do O Fino da Bossa, Zuza destacou duas faixas que juntam Elis e Elza. Devagar com a louça [Elis e Elza] e Se acaso você chegasse [Elis, Elza e Jair]). Elza, presente ao especial, foi indaga por Pedro e Luciana sobre os tempos do Fino. Respondeu de forma bastante genérica. Quem sabe se o áudio fosse mostrado à cantora a emoção e as recordações não seriam maiores?

Zimbo Trio, a base musical do Fino, também ficou de fora da festa. Amilton Godoy, Luís Chaves e Rubinho Barsotti criaram diversos arranjos, foram os fieis escudeiros de Elis no O Fino da Bossa. Mereciam – ao menos - uma menção.

Claudette Soares, como bem já lembrou uma reportagem do portal UOL, também não foi lembrada. Contratada da TV Record à época, ela, além de participar do programa, foi apresentadora do Fino durante a viagem da Elis para a Europa, em 1966, e em outras ocasiões nas quais Elis não pode comparecer às gravações. Claudette tem histórias divertidíssimas sobre esse tempo. Em plena atividade artística, também poderia ter sido convocada para cantar no especial, já que bossa é o que não lhe falta.

Nilton Travesso, que integrava a Equipe A da TV Record, núcleo criativo da emissora nos anos 1960, foi creditado em seu depoimento como “Diretor de programas”. Manoel Carlos, Raul Duarte, Antônio Augusto Amaral de Carvalho, Ronaldo Bôscoli e Luís Carlos Miele, que também produziram e dirigiram o Fino, não foram lembrados, nem no palco e nem nos depoimentos.
A velha guarda que tinha portas abertas no Fino também foi esquecida. Estiveram na edição original Adoniran Barbosa (a irreverente participação do compositor está registrada na série de CDs lançada por Zuza Homem de Mello), Ataulfo Alves, Ciro Monteiro, Silvio Caldas, Araci de Almeida, entre outros.

Protagonista do O fino da bossa original ao lado de Elis, Jair e convidados, a plateia, nessa edição especial, formada, em sua grande maioria, por convidados, estava mais morna. Em um dos momentos, foi possível ver, bem lá no fundo, uma turma mais animada. Merecia a fila do gargarejo.

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